sexta-feira, 13 de setembro de 2019

COMO A SANTIDADE SE TORNARIA MAIS FÁCIL, SE FOSSE CONSIDERADA DESTE PONTO DE VISTA

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Se a obra da nossa santificação nos oferece dificuldades tão insuperáveis na aparência, é porque não temos dela uma ideia exata. De fato, a santidade reduz-se toda a uma só coisa, — a fideli­dade à vontade de Deus. Ora esta fide­lidade está ao alcance de todos, tanto na sua prática ativa como no seu exer­cício passivo.

A prática ativa da fidelidade con­siste no cumprimento das obrigações que nos são impostas, quer pelas leis ge­rais de Deus e da Igreja, quer pelo es­tado particular que abraçamos. E o exercício passivo consiste na aceitação amorosa de tudo o que Deus nos envia a cada instante.

Destas duas partes da santidade, qual é a que está acima das nossas forças? Não é a fidelidade ativa, pois as obri­gações que ela nos impõe cessam de ser obrigações desde que o seu cumprimento excede realmente as nossas forças. O es­tado de saúde em que vos encontrais não vos permite ir assistir a missa? Não estais obrigados a ouvi-la. E o mesmo se diga de todas as obrigações positivas, isto é daquelas que nos prescrevem o cumprimento de algum ato. Só as que nos proíbem de fazer coisas que são más em si mesmas, é que não sofrem exceção alguma, pois nunca é permitido fazer o mal.

Haverá, portanto coisa mais fácil, e mais razoável?... Que desculpa é que poderemos alegar? Ora, é precisamente isso o que Deus exige da alma, no trabalho da sua santificação. Exige-o aos grandes e aos pequenos, aos fortes e aos fracos, numa palavra, a todos, em todo o tempo e em todo o lugar. Por conse­guinte, é muito verdade que não exige da nossa parte senão o que é possível e fácil; pois basta possuir este fundo tão simples, para chegar a uma santidade muito elevada.

Se para além dos mandamentos nos aponta os conselhos, como alvo mais perfeito para o qual havemos de tender, tem contudo o cuidado de acomodar a prática desses conselhos a nossa situa­ção e ao nosso caráter. Como sinal principal da nossa vocação para os seguir, dá-nos os auxílios da graça que nos facilitam a sua prática. Nem chama a ninguém senão na medida das suas forças e no sentido das suas aptidões. Mais uma vez ainda: poderia imagi­nar-se alguma coisa mais razoável?

Ó vós todos que tendeis à perfeição e vos sentis tentados de desânimo à vista do que ledes nas vidas dos santos e do que certos livros de piedade vos prescrevem; ó almas que vos afligis a vós mesmas com as idéias terríveis que ten­des da perfeição; é para vossa consola­ção que Deus quer que eu escreva estas palavras.

Aprendei pois o que pareceis ignorar. Este Deus de bondade tornou fáceis de adquirir todas as coisas necessárias e comuns na ordem natural, como o ar, a água e a terra. Nada mais necessário do que a respiração, o sono e o alimento; mas para também mais fácil. O amor e a fidelidade não são menos necessários na ordem sobrenatural; por isso a dificuldade em os alcançar não deve ser tão grande como no-la repre­sentamos.

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Reparai na nossa vida de que é que se compõe? De uma série de ações de bem pouca monta. Ora destas coisas de tão mesquinha importância é que Deus se digna contentar-Se. Essa é a parte que toca à alma no trabalho da perfeição. E para que não pudéssemos ter disso dúvida, quis explicar-no-lo bem claramente: “Temei a Deus e observai os seus mandamentos; isso é convosco”. Quer dizer: eis tudo o que o homem deve fazer pela sua parte, eis em que consiste a sua fidelidade ativa. Cum­pra o homem o que lhe toca, e Deus fará o resto. A graça divina reserva para si mesma a realização de maravilhas: que ultrapassam toda a inteligência do homem. Porque nem os ouvidos ouviram, nem os olhos viram, nem o coração sentiu o que Deus concebe na Sua idéia, resolve na Sua vontade e executa pelo Seu poder, nas almas que a Ele Se aban­donam.

A parte passiva da santidade é ainda muito mais fácil, pois não consiste se­não em aceitar o que na grande maioria dos casos não se pode evitar; e em sofrer com amor, isto é com suavidade e consolação, o que tantas vezes se suporta com aborrecimento e desgosto.

Mais uma vez ainda: eis a santidade toda inteira. Eis o grão de mostarda, cujos frutos não recolhemos porque não sabemos reconhecê-lo na sua insignifi­cância. Eis a dracma do Evangelho, o tesouro que não encontramos porque o su­pomos muito afastado para o ir buscar.

Nem me pergunteis qual é o segredo, de encontrar este tesouro. Porque ver­dadeiramente não há segredo. Este tesouro está em toda a parte, e a todos se oferece em todo o lugar e em todo o tempo. As criaturas amigas e inimigas dão-no-lo a mãos cheias e fazem-no cor­rer pelas faculdades do nosso corpo e alma, até ao mais fundo do nosso coração. Basta abrir a boca, e ficará re­pleta.

A ação divina inunda o universo, penetra todas as criaturas, sobrenada acima de todas, está em toda a parte onde elas estão; adianta-se a elas, acom­panha-as, segue-as; não temos senão que deixar-nos levar pelas suas ondas.

Prouvera a Deus que os reis e seus ministros, os príncipes da Igreja e do mundo, os sacerdotes, os soldados, os patrões e os operários, numa palavra todos os homens, conhecessem quanto é fácil atingir uma santidade eminente. Para eles não se trata senão de cumprir os simples deveres do cristianismo e do seu estado, e abraçar com submissão as cruzes que lhes estão inerentes, e submeter-se com fé de amor à vontade da Providência, em tudo o que se lhes apresenta para fazer ou sofrer, sem mesmo o buscarem. Esta espiritualidade foi a que santificou os profetas, muito antes de que houvesse tantas regras e tantos mestres. É a espiritualidade de todas as idades e de todos os estados, que certamente não podem ser santificados de maneira mais elevada, mais extraordinária e mais ao nosso alcance, do que realizando simplesmente o que Deus, soberano diretor das almas, lhes dá em cada momento a fazer ou sofrer.

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Maria Sempre! 
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FONTE: CAUSSADE, Padre Jean Pierre de. O abandono à providência divina. Livro 1, Cap. 3. Ed. Cruz Braga, 1956. pg. 23-29.

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Sobre a obra: Foi editado pela primeira vez em 1861, pelo conhecido teólogo P. Henrique Ramière, S.J., e acolhido com extraordinária aceitação. Reeditou-se logo em 1862 e foi preciso fazer novas tiragens em 1863 e 1864. A 5a edição saiu em 1867, acrescentada com 128 cartas do P. Caussade e um «Discurso do editor sobre os fundamentos e a verdadeira natureza da virtude do abandono, para explicar e defender a doutrina do P. Caussade». Em edições posteriores foram-se ajuntando algumas cartas e avisos espirituais. Sob esta forma a obra do P. Caussade continuou a conhecer o mesmo fervoroso acolhimento, tornando-se «clássica» nesta matéria. Em 1928 aparecia a 21a edição, e em 1930 os exemplares espalhados elevavam-se a perto de 80.000.Para a versão portuguesa, servimo-nos da 25a edição abreviada (Paris,1952), na qual não aparecem as cartas nem outros avisos espirituais do P. Caussade, mas se conserva o «Discurso» do editor e se dão em Apêndice alguns pequenos tratados de Surin e de Bossuet e alguns atos de abandono em forma de orações. Na nossa edição pareceu-nos desnecessário conservar o «Discurso», e do Apêndice guardamos apenas o ato de abandono atribuído ao restaurador da Companhia de Jesus na Itália, S. José Pignatelli (1737-1811). Este ato era recitado por Madame Elisabeth durante o seu cativeiro no Templo e parece ser da autoria do P. Caussade.
Oxalá este livrinho, «obra genial», contendo «muitas páginas duma sublimidade, duma magnificência de vistas e duma profundeza de sentimentos que arrebatam os que sabem compreendê- las» (P. Hilaire, diretor das Damas de Nazaré), encontre na nossa língua um êxito semelhante ao que tem tido na sua língua original.

Lisboa, 25 de Agosto de 1955.
A. C.

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