quarta-feira, 4 de março de 2020

ESTÁGIO EM QUE COMBATEMOS PELO JEJUM


XXXIX SERMÃO

PRIMEIRO SERMÃO SOBRE A QUARESMA

5. Estágio em que combatemos pelo jejum


Confiantes, portanto, caríssimos, iniciamos sem preguiça e sem medo a luta que nos é proposta: de tal forma que nesse estágio onde se combate pelo jejum não nos contentemos apenas com a abstenção do alimento. Seria pouco diminuir a força do corpo, se não alimentássemos o vigor da alma.

Mortifiquemos um pouco o homem exterior para que o interior seja restaurado; perdendo um pouco do excesso corpóreo, o espírito robustece-se pelas delícias espirituais.

Que toda alma cristã se observe de todos os lados, e que por meio de severo exame perscrute o interno de seu coração. Cuide para que nenhuma sombra de discórdia permaneça aí, para que nenhum mau desejo aí se instale. A castidade afaste para bem longe a incontinência, a luz da verdade dissipe as trevas da mentira. O orgulho se abrande, a raiva diminua, sejam quebradas as forças que causam prejuízo, seja posto um freio nas maldades da língua. Cessem as vinganças, e as injúrias sejam mandadas para o esquecimento. Enfim, “Toda planta que não foi plantada por meu Pai celeste, será arrancada” (Mt 15,13). Então só quando os germes estranhos forem tirados do campo do nosso coração, as sementes da virtude podem ser convenientemente alimentadas em nós.

Se alguém, portanto, se excedeu contra outra pessoa no desejo de se vingar, encarcerando-a ou carregando-a de vínculos, procure apressar-se em liberá-la, não apenas se ela for inocente, mas também se parecer que ela mereça algum castigo: de tal forma que ela possa se servir, confiantemente, da regra da oração do Senhor: “Perdoa-nos as nossas dívidas como também nós perdoamos os nossos devedores” (Mt 6,12). Parte de nossos pedidos que o Senhor acentua nesta especial instrução, como se a eficácia de qualquer oração estivesse encerrada nesta condição: “Se perdoardes aos homens os seus delitos, também vosso Pai celeste vos perdoará; mas, se não perdoardes aos homens, o vosso Pai também não perdoará os vossos delitos” (Mt 6,14-15).

Por conseguinte, caríssimos, lembrando-vos de nossa fraqueza que nos leva a cair facilmente em toda sorte de delito, evitemos negligenciar este remédio primordial e este meio muito eficaz de curar nossas feridas. Perdoemos, para que sejamos perdoados (Lc 6,37); façamos o favor que solicitamos; e procuremos não nos vingar, nós que imploramos ser perdoados. Não passemos perto do pobre, permanecendo surdos às suas súplicas, mas com carinhosa bondade sejamos misericordiosos para com os indigentes, para que mereçamos conseguir misericórdia por ocasião do julgamento. Aquele que, ajudado pela graça de Deus, com todo seu esforço, buscar esta perfeição, assumirá fielmente o santo jejum: este, distante de sua antiga malícia, chegará à bem-aventurada Páscoa com os ázimos da pureza e da verdade e pela nova forma de vida, merecerá provar a alegria no mistério da regeneração humana. Por nosso Senhor Jesus Cristo, que com a graça do Pai e o Espírito Santo, vive e reina nos séculos dos séculos. Amém.
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Maria Sempre! 
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FONTE: FRANGIOTTI, Roque. Patrística - Sermões Leão Magno. Ed. Paulus, 1996.

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Sobre a obra:  O valor dessas obras que agora Paulus Editora oferece ao público, pode ser avaliado neste texto: “Além de sua importância no ambiente eclesiástico, os Padres da Igreja ocupam lugar proeminente na literatura e, particularmente, na literatura greco-romana. São eles os últimos representantes da Antiguidade, cuja arte literária, não raras vezes, brilha nitidamente em suas obras, tendo influenciado todas as literaturas posteriores. Formados pelos melhores mestres da Antiguidade clássica, põem suas palavras e seus escritos a serviço do pensamento cristão. Se excetuarmos algumas obras retóricas de caráter apologético, oratório ou apuradamente epistolar, os Padres, por certo, não queriam ser, em primeira linha, literatos, e sim, arautos da doutrina e moral cristãs. A arte adquirida, não obstante, vem a ser para eles meio para alcançar este fim. (…) Há de se lhes aproximar o leitor com o coração aberto, cheio de boa vontade e bem disposto à verdade cristã. As obras dos Padres se lhe reverterão, assim, em fonte de luz, alegria e edificação espiritual” (B. Altaner; A.g Stuiber, Patrologia, S. Paulo, Paulus, 1988, pp. 21-22).
Ed . Paulus 

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