sábado, 6 de março de 2021

O QUE É A PERFEIÇÃO CRISTÃ?


Minha filha muito amada em Cristo, se desejas chegar ao mais alto grau da santidade e da perfeição cristã, unindo-te de tal modo a Deus que te tornes um mesmo espírito com Ele (1Cor 6,17) - o que é a maior e mais nobre empresa que se pode conceber -, convém que saibas primeiramente no que consiste a verdadeira e perfeita vida espiritual.
 
Porque muitos, por pouco refletirem, creem que a perfeição cristã consiste no rigor da vida, na mortificação da carne, no uso dos cilícios, nas disciplinas, jejuns, vigílias e outras obras exteriores. Outros, particularmente as mulheres, quando rezam muitas orações, ouvem muitas missas, assistem a todos os ofícios divinos e participam das comunhões, creem ter chegado ao mais alto grau da perfeição. [...]
 
Assim, alguns põem o fundamento da perfeição evangélicas nessas coisas, outros naquelas, mas o que é certo é que todos igualmente se enganam, porque essas obras mencionadas não são senão meios para adquirir a santidade, ou frutos dela, e, portanto, não se pode dizer que tais obras realizem a perfeição cristã e o verdadeiro progresso espiritual.
      
São, sem dúvida, meios poderosíssimos para conquistar a verdadeira perfeição e o progresso espiritual, quando usados com prudência e discrição, para adquirir força e vigor contra a própria malícia e fragilidade, para defender-se dos assaltos e tentações do inimigo e, enfim, para obter da misericórdia divina os auxílios e socorros que são necessários a todos os que se exercitam nas virtudes e, particularmente, os iniciantes.
 
São, pois, Frutos do Espírito Santo nas pessoas verdadeiramente santas... Porém, a algumas almas fracas acontece o contrário, pois se apoiam totalmente em obras exteriores, e isso pode ser uma causa de grande ruína e desespero, não porque a prática de tais obras não seja boa em si (pois são coisas muito santas), mas sim por serem consideradas fins e não meios, enquanto o coração é esquecido e abandonado às inclinações do demônio oculto. Este, vendo a ilusão dos que saem do verdadeiro caminho, não só os deixa continuar com seus exercícios e obras, mas até lhes proporciona praticá-los com gosto de deleite, para que creiam estar muito avançados na vida espiritual.
 
 
Por todas essas coisas mencionadas, podes, minha filha, entender agora claramente que a vida espiritual não é nenhum destes exercícios e trabalhos externos, que as outras pessoas costumam confundir com santidade.
 
Deves entender que a santidade não consiste em outra coisa além do conhecimento da bondade e grandeza de Deus,e da nossa nulidade e inclinação a toda espécie de mal; do amor por Ele e da indiferença por nós mesmos, da submissão não só a Ele, mas a toda criatura por causa dEle, da renúncia total à nossa vontade, da total resignação à providência e do fazer tudo isso simplesmente pela glória de Deus e pelo puro desejo de agradá-lo, porque Ele tem todo o direito de ser amado e servido por suas criaturas. 

Em quanto erros e enganos estão envolvidas tais almas miseráveis, e quão longe estão da perfeição que buscam! Essas pessoas são facilmente reconhecíveis por sua vida e costumes, são caprichosas, desobedientes e obstinadas em suas opiniões e cegas em suas próprias ações, mas têm sempre os olhos abertos para observar e criticar outras pessoas. E se, Deus, para reduzi-las ao verdadeiro conhecimento de si mesmas e ao caminho da perfeição, envia dificuldade, doenças e perseguição (que são a prova mais certa da fidelidade de seus servos, e que não acontecem sem um querer ou permissão da providência), então revelam o seu fundo falso, com o interior todo corroído e gasto por causa da soberba. Pois, qualquer que seja o caso, feliz ou triste, nunca querem abrigar-se sob a mão divina, nem ceder à sua admirável providência para conformarem-se aos seus justos, porém secretos juízos (Rom 11,33) nem imitar Seu Filho santíssimo (Fp 2,8) sujeitando-se a todas as criaturas, ou amar os seus perseguidores como instrumentos de bondade divina que cooperam para sua perfeição e salvação eterna. [...]

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Maria Sempre!
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FONTE: PADRE, Lorenzo Scupoli : O Combate Espiritual, pág 5-8. Editora: Cultor de Livros, São Paulo, Ano da Edição: 2012

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Sobre a obraO combate espiritual, do Padre Lorenzo Scupoli, era lido por São Francisco de Sales, doutor da Igreja, que foi guia seguro de Dom Bosco na Obra Salesiana, e que muito recomendava a leitura dessa obra clássica de espiritualidade. É um livro para se busca a santidade. O autor mostra que não bastam os exercícios de piedade: orações, missas, penitências, comunhões, etc., que, embora necessários são apenas "meios" para se atingir a perfeição cristã. Ele mostra que "a santidade consiste no conhecimento da bondade e grandeza de Deus; na nossa renuncia (Lc 9,23) e no conhecimento da inclinação a toda espécie de mal; do amor por Deus e submissão não só a Ele, mas a toda a criatura por causa dEle; da renuncia total à nossa vontade, da total resignação à Providência e do fazer tudo pela glória de Deus e pelo puro desejo de agradá-lo. Quem aspira à perfeição da santidade, deve agir com "violência" contra si mesmo. Mas o autor garante "que, sendo esta guerra a mais difícil de todas (já que nós mesmo é que somos combatidos), também a vitória é a mais agradável a Deus e a mais gloriosa ao vencedor".

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