sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A FALTA DE CIVILIDADE NA FALA

DAS FALTAS QUE SE COMETEM CONTRA A CIVILIDADE AO FALAR INCONSIDERADA, LEVIANA OU INUTILMENTE

Falar inconsideradamente é falar sem discrição, sem modos e sem prestar atenção ao que se tem a dizer. Para não cair neste defeito, o Sábio[1] nos adverte estarmos muito atentos a nossas palavras, de medo, diz ele, de não nos desonrarmos a alma. 


Com efeito, não se estima uma pessoa que fala indiscretamente e por isso devemos tomar muito; cuidado, conforme o conselho do mesmo Sábio[2],  para não sermos precipitados na língua, pois a razão por que muitas vezes se fala fora de propósito e sem educação é porque se dizem as coisas sem ter pensado seriamente nelas. O resultado é que o mesmo Sábio[3], ao saber dos maus efeitos deste vício, diz a Deus que não o abandone à leviandade indiscreta de sua língua e lhe suplica, em nome do poder e da bondade que Deus lhe tem, como pai e dono de sua vida. 

Portanto, para falar com discrição e prudência, é preciso falar somente depois de ter pensado bem no que se tem a dizer. Não se deve dizer tudo o que se pensa, mas comportar-se em muitas coisas, de acordo com o conselho do Sábio[4],  como se o ignorasse.

Quando se tem conhecimento de alguma coisa que se queira dizer ou que algum diga, pode-se, diz o mesmo Sábio[5], falar ou responder na hora certa, do contrário deve-se colocar a mão sobre a boca. Isto é, deve-se calar, com receio de ser surpreendido por uma palavra indiscreta ou sair envergonhado. 

Para falar com prudência, deve-se também observar o momento propício para falar ou para calar; porque o Sábio[6] diz que é ser muito imprudente e leviano não observar o momento e falar quando somente a vontade de falar nos leva a isso. 

De acordo com São Paulo, todas as palavras que dizemos, devem ser acompanhadas pela graça e temperadas pelo sal de tal maneira que se saiba por que e como as dizemos. 

Por fim, segundo o conselho do Sábio[7], precisamos informar-nos antes de falar e assim nunca falar de uma coisa que não conhecemos bem, e dizer o que temos a dizer com tanta sabedoria e honestidade que nos tornemos amáveis em nossas palavras. 

Quando alguém diz ou faz alguma coisa que não se deve dizer, se percebemos que a pessoa que falou o fez por surpresa e se retrata com humildade, refletindo sobre si mesma e sobre o que acaba de dizer, não se deve mostrar que se o percebeu; e, se quem o disse ou fez pede desculpas, é prudente e caridoso interpretar favoravelmente a coisa e ficar bem longe de zombar de quem afirmou alguma coisa que parece pouco razoável, e menos ainda tratá-lo com desprezo. Também pode ser verdade que não se captou bem o pensamento dessa pessoa. Por fim, nunca é permitido a uma pessoa educada provocar confusão em quem quer que seja. 

Quando alguém profere injúrias, também é prudente não responder e tentar defender-se. Muito melhor é aceitar tudo numa boa; e se um outro quer nos defender, devemos manifestar que não ficamos ofendidos em nada pelo que se disse. Com efeito, é próprio de uma pessoa educada não se ofender por nada. 
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Para nos dar a entender em poucas palavras, quem são os que falam com educação e prudência, e quem são os que falam imprudentemente, o Sábio[8] diz admiravelmente: que o coração dos insensatos está na boca e a boca dos sábios está no seu coração. Isto é, que os que não têm muito juízo dão a conhecer a todo o mundo, pela multidão e irreflexão de suas palavras, tudo o que têm no coração; mas que os que têm juízo e educação são tão reservados no falar, que só falam ou querem dizer bem e o que é conveniente que se conheça. 

Quando estamos com pessoas que têm mais idade do que nós ou muito mais idosas, a cortesia quer que se fale pouco e se escute muito. O mesmo devemos fazer quando estamos com pessoas que têm  responsabilidades, este, aliás, é o conselho muito pertinente que dá o Sábio[9]. Também quando uma criança está com pessoas às quais deve respeito, é cortês somente falar quando interrogada. 

É preciso evitar a todo custo comunicar seus segredos a todo o mundo. O Sábio[10] também nos dá este conselho: seria imprudente fazê-lo; mas é preciso conhecer muito bem a pessoa a quem se quer confiar um segredo, e estar bem seguro de que ela é capaz de um segredo e fiel em guardá-lo. 

Os que somente têm bagatelas e asneiras para contar e os que fazem grandes prelúdios e não podem dar aos outros uma chance de falar deveriam permanecer calados; pois é muito melhor passar por silencioso do que entreter as pessoas de um grupo com  asneiras e parvoíces ou ter sempre alguma coisa a dizer.

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1. Eclo 19, 4-5 
2. Eclo 20, 22 (20) 
3. Eclo 23, 1ss 
4. Eclo 32, 12
5. Eclo 5, 14 
6. Cl 4, 6 
7. Eclo 18, 19
8. Eclo 22, 16
9. Eclo 32, 13
10. Eclo 19, 5

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Maria Sempre!
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FONTE: SALLE,  São João Batista de La.  As regras de cortesia e civilidade cristã - Ed. Unilasalle,  2012. Pg. 169 - 172.
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Sobre a obra: O Guia das Escolas Cristãs, obra de São João Batista de La Salle é, na visão de historiadores da educação, um texto pedagógico dos mais significativos dos inícios do ensino primário moderno. Para Guy Vincent, ele “forneceu um modelo de forma escolar”. Erick Prairat verifica que ele foi, sem dúvida, pelo menos na França do século XVIII, o livro “mais lido e influente em matéria de prática pedagógica”. Manacorda pensa que ele seja “talvez o mais pormenorizado estatuto de escolas”. Aos estudiosos dos textos orientadores na História da Educação, neste manual lhes chamam a atenção aspectos como seu caráter prático e uniformizador, a forma cooperativa e experimental de sua elaboração, sua pertinência com relação à clientela que visa educar e ao período histórico para o qual foi confeccionado, sua busca do novo dentro de sua época e o seu rigor, sua precisão “quase jurídica” de que fala Petitat. Esse texto é, ao mesmo tempo, marcado por sua época e resposta às aspirações educativas que essa época alimentava. Enquanto tal, ele é convite a pensar nas necessidades atuais da educação, e a responder a elas com a proposição das melhores experiências e o uso dos mais apropriados recursos hoje disponíveis.
Editora Unilasalle 

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